quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O Gil de Janeiro Fevereiro e Março

Eu cresci ouvindo discos de qualidade, como Arca de Noé e Saltimbancos. Quando tomei minha própria consciência, parti pro rock, em especial Beatles e Raul Seixas. Nos 80s curti tudo que o Brasil ofereceu de melhor, como Titãs, Legião, Engenheiros, Plebe Rude e etc. Mas como o passado sempre volta, lá pelos 13 anos a MPB começou a dividir espaço com as guitarras mais distorcidas. Oquei, nada disso é verdadeiramente o assunto aqui.

Mesmo abrindo meus ouvidos para a MPB, houve uma imensa resistência a gostar de Gilberto Gil. Aqueles enfeites vocálicos agudos me irritavam na infância e continuaram me incomodando na adolescência. Mas quando o remédio é bom, cura qualquer doença. Cada vez que escuto o baiano de Itauçu fico mais e mais impressionado. Quando alio a sua biografia e o seu conhecimento de música, arranjos e instrumentos musicais, ele fica quase imbatível.

Um gênio filho de classe média alta em pleno sertão baiano. Penso como aquele sertão era uma influência imensa e bonita para aquele músico ainda menino. Quantos sons de vaquejadas ouvira Gilberto Gil. Quantos pé-de-serra ouviu na beira de uma fogueira, com a sertanejada dançando. E que beleza deve ter sido para ele ouvir tanto Luiz Gonzaga que acabou sendo, da tal MPB, o melhor cantador de forró entre todos... claro que atrás do Mestre Lua, porque aí não tem jeito.

Certamente a genialidade de Gil estava desperta no momento em que ele estava naquele sertão, de luar sem igual. É notório o quanto ele trouxe esse chão seco para as suas canções. Impressionante o quanto a sua mente estava ligada, aberta e elevada sensível e intelectualmente para absolver tantas influências de um lugar tão belo e trágico.

Gilberto Gil cresceu, fez faculdade e virou Ministro. Entre uma coisa e outra se formou em acordeon, de tanto que amava Luiz Gonzaga. Depois aprendeu violão como poucos, ensinou pro Caetano Veloso que nunca chegou sequer perto (como chegar?) e com muita humildade, sem alardes, compôs belíssimas anedotas como Domingo no Parque, Procissão, A Novidade. Melodia como Um Trem Para as Estrelas, Aquele Abraço... e o melhor: não abre a boca para falar bobagens, como faz seu amigo Caê. Por tudo o que faz e fez, deveria ser bem mais lembrado.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Carlos Drummond sobre "A Banda", de Chico

Em 1966, a música "A Banda", de Chico Buarque, foi um enorme sucesso. Seu ritmo de marcha de samba aliado a uma bela melodia, encantou o país em 1966 após o Festival de Música Popular Brasileira. Mas aqui, no caso, o tema é a crônica que Carlos Drummond de Andrade escreveu sobre essa canção pouco depois da apresentação no festival televisivo, publicada no "Correio da Manhã", e que está transcrito abaixo.

"O jeito no momento é ver a banda passar, cantando coisa deamor. Pois de amor andamos todos precisados, em dose tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para a frente. Amor que seja navio, casa, coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo e o mais que estamos vivendo ou presenciando.

A ordem, meus manos e desconhecidos meus, é abrir a janela, abrir não, escancará-la, é subir ao terraço como fez o velho que era fraco mais subiu assim mesmo, é correr à rua no rastro da meninada, e ver e ouvir a banda que passa. Viva a música, viva o sopro de amor que a música e a banda vêm trazendo, Chico Buarque de Holanda à frente, e que restaura em nós hipotecados palácios em ruínas, jardins pisoteados, cisternas secas, compensando-nos da confiança perdida nos homens e suas promessas, da perda dos sonhos que o desamor puiu e fixou, e que são agora como o paletó roído de traça, a pele escarificada de onde fugiu a beleza, o pó no ar, a falta de ar.

A felicidade geral com que foi recebida essa banda tão simples, tão brasileira e tão antiga na sua tradição lírica, que um rapaz de pouco mais de vinte anos botou na rua, alvoroçando novos e velhos, dá bem a idéia de como andávamos precisando de amor. Pois a banda não vem entoando marchas militares, nem a festejar com uma pirâmide de camélias e discursos as conquistas da violência. Esta banda é de amor, prefere rasgar corações, na receita do sábio maestro Anacleto de Medeiros, fazendo penetrar neles o fogo que arde sem se ver, o contentamento descontente, a dor que desatina sem doer, abrindo a ferida que dói e não se sente, como explicou um velho e imortal especialista português nessas matérias cordiais.

Meu partido está tomado. Não da Arena nem do MDB, sou desse partido congregacional e superior às classificações de emergência, que encontra na banda o remédio, a angra, o roteiro, a solução. Ele não obedece a cálculos da conveniência momentânea, não admite cassações nem acomodações para evitá-las, e principalmente não é um partido, mas o desejo, a vontade de compreender pelo amor, e de amar pela compreensão.

Se a banda sozinha faz a cidade toda se enfeitar e provoca até o aparecimento da lua cheia no céu confuso e soturno, crivado de signos ameaçadores, é porque há uma beleza generosa e solidária na banda, há uma indicação clara para todos os que têm responsabilidade de mandar e os que são mandados, os que estão contando dinheiro e os que não o têm para contar e muito menos para gastar, os espertos e os zangados, os vingativos e os ressentidos, os ambiciosos e todos, mas todos os etcéteras que eu poderia alinhar aqui se dispusesse da página inteira.

Coisas de amor são finezas que se oferecem a qualquer um que saiba cultivá-las, distribuí-las, começando por querer que elas floreçam. E não se limitam ao jardinzinho particular de afetos que cobre a área de nossa vida particular: abrangem terreno infinito, nas relações humanas, no país como entidade social carente de amor, no universo-mundo onde a voz do Papa soa como uma trompa longíngua, chamando o velho fraco, a moça feia, o homem sério, o faroleiro... todos os que viram a banda passar, e por uns minutos se sentiram melhores. E se o que era doce acabou, depois que a banda passou, que venha outra banda, Chico, e que nunca uma banda como essa deixe de musicar a alma da gente".

Se o Brasil fosse o Mundo do Rock


Como eu já disse, quase toda comparação é meio burra, principalmente em se tratando de música, algo tão popular e ao gosto de muitos. Mas vou fazer uma brincadeira aqui nesse blog, já que ninguém lê esse troço mesmo. Se a história do rock brasileiro fosse a história do rock mundial, quem seria quem no Brasil??? É algo simples e pretendo pegar apenas alguns poucos nomes, pouquíssimos, embora pudesse ir blogs a fio nessa brincadeira. Por exemplo, disse no post abaixo que a dupla Lennon-McCartney está, no Brasil, para a dupla Gil e Caetano. Quem mais poderia entrar nessa desordenada comparação?

Mas se os baianos seriam a dupla britânica, o mais próximo que teríamos de um Beatles no Brasil, seria Os Mutantes. Esse mais próximo é algo beeeeeem distante, pois a revolução musical que Beatles causou no mundo Os Mutantes não causaram nem perto no Brasil, mas algo permaneceu e ainda pode ser reconhecido num futuro próximo... ou distante. De qualquer forma, é a principal banda musical da história do país, só tendo algo comparável décadas depois, nos anos de 1980, ainda que... bem, é melhor parar por aqui para não viajar ainda mais.

Não segue uma ordem cronológica, mas poderíamos colocar Raul Seixas como o nosso Elvis Presley brasileiro. Indícios para isso não faltam, principalmente porque, assim como afirmei que a dupla de baianos era profundamente influenciada por Beatles, aqui temos o Raulzito, totalmente mergulhado no mundo da música em função de sua paixão por Elvis. Let me Sing, Let Me Sing é a prova dessa mistura, também baiana, de rock com baião.

Muitos poderiam comparar Elvis com Roberto Carlos em função dos filmes feitos por Roberto, ao grande estilo de músico galanteador rockabilly. Sim, os filmes se assemelham, pois chupam copiosamente a fórmula americana. Também ambos os cantores possuem o rótulo de reis em seus respectivos países. Porém, do contrário de Raul Seixas, Roberto Carlos padece totalmente da atitude rock'n roll produzida pelos balances e voz possante de Elvis, inspirada pelo blues das comunidades negras americanas. Porém, não se pode ignorar Roberto Carlos no Brasil, talvez o principal cantor de nossa história (principal, mas, na minha opinião, não o melhor). Dada a sua fase mais romântica e os arranjos orquestrais de canções como "Emoções", o parâmetro principal do Rei brasileiro é, sem dúvida, com Frank Sinatra. A voz nem se compara. A de Roberto, para mim, chega a ser irritante, mas o glamour de ambos é muito parecido, bem como os temas de algumas canções românticas que cantam. My Way é como Emoções, inclusive em arranjos.

Nem penso em justificar muito tais comparações. Sei que algumas delas já foram feitas por aí a fora e isso aqui pode não ser novidade alguma, mas é um breve momento de reflexão pessoal. Seja como for, já dizia um poeta filósofo qualquer que na arte nada se cria, tudo se copia. ;D

Gil e Caetano: nossos Lennon-McCartney


declaradamente influenciados pelos Beatles. A chamada busca pelo "Som Universal", professada por Caê, era algo entre Luiz Gonzaga e os garotos de Liverpool. Mas não há dúvida de duas coisas: a primeira é que comparações geralmente são bobagens que não dão em nada; a segunda é que se tivéssemos que apontar algo semelhante no Brasil a uma dupla Lennon-McCartney, essa dupla seria Gil-Caetano.

Há inclusive alguma semelhança no papel que a dupla exercia entre si. Assim como os britânicos tinham um que era mais harmonia (Macca) e outro mais letra (Lennon); no Brasil o harmonista era Gil e o letrista Caetano.

Aliás, Gil é talvez o cantor mais completo que já cantou neste país. Instrumentista nato, estudou música, formou-se em acordeon influenciado pelas músicas de Gonzagão e até ensinou Caetano a tocar violão. É detentor de um amplo conhecimento em produção musical e arranjos de canções, ficando pouco (muito pouco) abaixo de um Caetano ou um Chico quando o assunto é letra.

Uma falha nesta comparação sem dúvida consiste dois pontos. O primeiro é que Caetano e Gil não trabalharam tão juntos como letrista e arranjador quanto Lennon e McCartney; o outro ponto é que os brazucas permaneceram (e permanececem) bem mais unidos que os comparativos britânicos. Na falta de uma banda, vale lembrar que foi Gil quem concebeu Os Mutantes que, antes dele, era uma bandinha que tocava covers de baladas americanas.

Na revista Veja de 8 de março de 1967, Gil diz o seguinte: “É como se fossemos dois pólos opostos de uma mesma carga elétrica. E a mensagem de Caetano está em um nível mais ligado ao consumo que a minha (...) Eu uso a música e letra como um dado musical. Caetano usa esses elementos como um dado poético”(pp.62-63). Essa "divisão de trabalhos" lembra alguma coisa em termos de dupla musical?

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Raul Seixas-Eu não quero dizer nada


Apesar de canções como "Não Quero Mais Andar Na Contramão" e "Canceriano Sem Lar", eu acredito mesmo que essa é a canção do Raulzito que mais trata sobre seus momentos usando drogas. Há nessa música um clima de adolescentes reunidos para, em grupo, usar entorpecentes. O fato de não conseguir dizer as coisas, de achar o colega ao lado sempre muito legal, de ver as coisas de maneira detida, fala muito sobre uma juventude travada e sem saber de nada.